segunda-feira, 29 de março de 2010

Verdade não estampada.

"...faz de conta que ela não estava chorando por dentro ─ pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado."
Clarice Lispector 

sexta-feira, 12 de março de 2010

Ausência



Ausência
Vinicius de Moraes

Eu deixarei que morra
em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Beba esse vazio imenso que transborda de mim.

Eu procurei por lembranças.
Aquelas palpáveis, passíveis de serem lidas.
Mas você manchou todas elas.
Suas mentiras cuspidas na minha cara, manchando nossas lembranças.
Agora estou impregnada com a fragância doce delas.
Das mentiras, das lembranças...
Doce demais.

É que antes esse aperto que eu sinto no peito me sufocando me dava sossego, as vezes.
Agora é constante.
Dói.
Pesa.

Intenso demais.

terça-feira, 9 de março de 2010

A morte do arco-íris.

"...Devo registrar aqui uma alegria. É que a moça num aflitivo domingo teve uma inesperada felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve êxtase, ambicionou logo outro: queria ver espocarem fogos de artifício."
(Clarice Lispector)

Hoje apontaram o céu para ela...
E ao olhar para cima deparou-se com um arco-íris. Uma felicidade inesperada.
Ficou ali, olhando para a beleza resplandecente, até que um alerta apontou no coração.
Foi uma pontada aguda, desesperada... O que ocorreu foi que percebeu que ele se ia. As cores, antes tão nítidas e belas estavam desvanecendo. E foram desvanecendo até até sumirem.
Com um aperto no peito, olhou aquela felicidade sendo engolida pela opacidade de um céu cinza até o ultimo suspiro, ou até o ultimo resquício de cor.

É que viu ali o lhe acontecia todas as noites, quando o sol ia se pondo e a correria do dia se acabava. 
Viu ali exatamente a sensação que tinha interpretada em fatos.
Porque toda a força que conseguia juntar para enfrentar o dia e todo pequeno momento de risos e distrações que conseguia, por menores que fossem, iam embora no fim do dia. Todos essas pequenas boas sensações, as quais se agarrava com tanta avidez, esvaiam-se de si. Até que no escuro da noite, sozinha em seu quarto, não lhe restava mais tais coisas. Não lhe restavam mais cores, só um céu opaco e cinzento que a pressionava contra o chão frio. 


Pesado demais.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Incolor, nu e cru.

A noite seguia lenta em seu vasto breu, enquanto ela se acomodava em cima da pequena mureta de pedra.

De uma lado, o mundo manso e mentiroso.
Do outro a verdade nua, sob a luz da lua crua.
***

22:43. Noite de quarta feira. Enormes buracos abriam-se no peito. 
Feridas antigas, mas nunca cicatrizadas, sangravam novamente.
A pele era rasgada. 
Enfiaram-na em uma mistura de alcool e sal.
O peito era dilacerado por uma dor devastadora, pior que a própria morte.

6:59. Manha de quinta feira. Mergulhava num abraço, afogada em dores e rancores. 
Dobrava-se. Era intenso demais.
Enquanto as lágrimas esgasgavam e ardiam os olhos, um turbilhão de sentimentos transbordava no peito.
A sensação era de água fervente sobre a pele.
Prata fundida.
Não havia cores.
Nem branco, muito menos cinza. Tudo preto. 
Absolutamente enegrecido.

4:11. Tarde de quinta.
Escrevia em seu caderno. Quase dentro de um transe incosciente.
Como ele pode fazer isso comigo?
     Eram as minhas palavras,
                o meu sangue,
                    as minhas lágrimas...


1:23. Madrugada de quinta feira. As feridas sangravam, espalhadas por toda a extensão do corpo nu.
Os lençóis encharcados de lágrimas, impregnados de sangue, soro e saudade.
Cobria suas feridas com panos encharcados de verdades inventadas.
Palavras prontas, olhares vazios.
O sorriso bem treinado no rosto.

2:13. Madrugada que quinta.
Convencia-se de suas verdades inventadas, quando houve um desabamento dentro de si.
Ultraje. Blasfêmia. Foi o que foi feito contra um sentimento tão real e puro.
Onde estava a honra, afinal?
Estúpida! Ela nunca existiu.
Onde estava o respeito então?
Bossal. Ele deixou de existir há um longo tempo atras.
Mas crueldade?
Como ousas vulgarizar o que veio de profundezas tão cuidadosamente escondidas?
Esclareci-as para você. E o que fez com as palavras que as tornaram claras?
Blasfêmou. Jogou-as ao vento.
Cuspiu-as a estranhos.
Sem dó, sem remorso. Até mesmo com divertimento, não duvido.

Estava sobre os escombros. 
Acendeu a vela e recolheu o necessário. Fez o que tinha que fazer.
Um bom momento de sono e um bom sonho. 
Não interessa se falso, forjado ou chamado (implorado).

21:27. Noite de sexta feira.
Ainda estava sobre os escombros.
Alguem essencial disse nesse mesmo dia: "Não gosto quando seus olhos ficam assim".

"I'm sorry that you have to see
the strength inside me burning"



É impossível fingir bem quando há um caos dentro de si. Um caos que só te empurra pra baixo. Fundo e mais fundo.
É impossível fingir bem quando seu exército é completamente derrotado.
Fica só um soldado segurando tudo. Ele é forte para deixar as lágrimas serem derramadas, mas não o bastante para não deixar rastros dessa batalha.

Cada vez mais fundo e mais frio.
Cada vez mais doloroso.

Não, não há cores aqui.

Pesado demais. Delicado demais.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Mas uma hora a gente aprende.

O tempo não cura tudo. Só tira o incurável do centro das atenções.
Mas o tempo não passa tão rápido quanto precisava.

E cada tiquetaquear do relógio a apunhalava.
'O pulsar do sangue sob um hematoma.'

Tão frágeis aparentavam, aqueles hipnotizantes ponteiros prateados do relógio.
A cada segundo o ponteiro mais fino recaia sobre ela com uma força sobrenatural.
Devastadoras, as horas.

Você sente isso?
Você sente como se estivesse submergido e preso ao fundo de aguas profundas e escuras demais.

E na janela?
Bom, não se via mais borboletas. Nem negras, nem alvas.
E as cortinas, há muito trocadas, não exibiam a leveza do fino tecido, tampouco o brilho avassalador do veludo.
Estavam desesperadoramente opacas.
Eram só negras. Negras e densas.

Pesadas demais.