domingo, 11 de abril de 2010

(In)fertilidade.

Mas um dia, a gente sabe, o sertão há de virar mar.
Nós sabemos, ou esperamos.
Mais esperamos que sabemos.
Pois a terra em que hoje tudo jaz morto e encolhido, em cinzas, há de ser fértil mais uma vez.
Mas não. Não importa esperar isso, saber disso, enquanto nesta terra nenhum flor desabrocha e nenhum fruto nasce.
Afinal, em terra sertaneja não há fruto que amadureça suculento. E flores precisam de mais do que um mar, vasto mar, inóspito, para desabrocharem.

O sol esquenta, a terra queima.
O pó, a poeira, 
O mar avermelhado, sem cais. 
O caos.

Mas mesmo assim a gente espera.... 
E vai caminhando na aridez do sertão, 
esperando que o mar encontre a gente antes 
 de alcançarmos o litoral.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Almática

"Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."

Clarice Lispector

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Ja não está aqui quem falou.


Fitava o vão da porta aberta.

A presença dele naquele portal, diante de si, a tão pouco tempo, só fez aumentar o vazio daquela visão. Ainda mais.

Paralizára-se pelo medo das palavras.
Estacara-se diante da porta vazia e aberta e olhava para o infinito que jazia ali, inalcansável.

Estava particularmente frio aquele dia. Sentia-o em seus osso. O frio.
A lua despencava de uma altura absurda e vinha acariciar tão delicadamente a pele branca daquela pequena criatura.
O vento entrava pela porta aberta, vazia, e brincava com seus cachos avermelhados.
Abraçava-se enquanto, com uma disciplina militar, segurava as lágrimas que, furiosas, tentavam derrubar a barreira. O nó na garganta doía-lhe imensamente, mas não ousaria deixar rolar uma lágrima sequer. Pois se uma unica lágrima corresse, jamais teria força o suficiente para impedir que seu rosto fosse inundado. E uma vez derramadas, não cessariam nunca. O coração continuaria molhado, mesmo de olhos secos.

O luar aos poucos diminuiu e o céu foi tomado de vermelho. A chuva caiu fina, fina.
Ela viu o contraste dos pequenos pingos contra a luz amarelada do poste.
Choveu a noite inteira e ela ficou lá, de porta aberta, vendo e sentindo as lágrimas que o céu derramava em seu lugar.

Parece cocaína, mas é só tristeza

"Eu não sou tão triste assim, é que hoje eu estou cansada."


Deixou-se cair na cama, exausta. De respiração lenta e coração latejante.

Dentro dela, um caos. Um turbilhão de coisas que não conseguia colocar pra fora.
Gritavam enfurecidas.

Mas era só o silêncio ecoando na alma.
O silêncio era absurdo, como um trovão. Estrondoso.
Ecoava como o grito num cômodo vazio. Sem janelas... a porta trancada à chave.


Uma luz deslumbrante que rasga o céu negro precede o som alto demais.
Assustador. Encantador.
Intenso demais.