domingo, 20 de junho de 2010

O ar foi ficando denso, tão denso...

...que em poucos momentos a neblina era densa o bastante para tornar tudo absurdamente sufocante.
O ar pesado acabou por encharcar as velas, que pendiam murchas no mastro, sem nada que as inflasse.

Mas dessa vez não havia beleza velada.
Não havia nada, alem daquela sufocante cortina envolvente.
Não se sabia se estava claro ou escuro.

A tripulação era constituída de um homem só, que agora lutava contra o ar pesado. Os pulmões lhe doíam, no anseio insano de aspirar ar.
A sensação era de que eles se enchiam de água.
Um água escura e viscosa.

Não havia calmaria.
O mar, aos poucos, exausto da quietude, agitou-se.
E o barquinho era judiado.
O mar o jogava de lá pra cá, esforçando-se para derruba-lo.
Mas não havia vento.
A revolta vinha do âmago do mar, agora arredio.
Era como se fervesse, e de repente entrasse em ebulição.

Barco e tripulação, dessa vez, morreriam juntos.
Sufocados, afogados.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A saudade segue no encalço.

Hoje o vento tirou uma folha pra dançar.
Ela ficou ali, borboleteando para mim, na sua amarelice
de quem já viveu o bastante pra contar história.
E foi caindo e dançando e caindo.

Mas uma hora vem o chão e acaba com tudo.
Só fica a beleza jazida no chão, em meio à poeira, pra ser pisoteada depois.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Nem poesia.

E por um momento tudo ficou estático.
É que por um momento,
muito breve, espero eu,
 me escapou a coragem soprando as velas encardidas do barco.
Me escapou como o fôlego escapa quando o choque é grande demais.
Me escapou como o silvo da queda de algo especialmente pesado, quebrável e ajustado em um lugar alto demais.
Na queda faltou o fôlego, mas o choque era barulhento, estilhaçante.
Era quase um grito.


Tudo ficou estático
e o barquinho ficou a deriva,
sujeito somente às intemperidades do mar.
E o mar estava tão calmo, tão plácido.
Era só uma superfície fria e azul
Não havia ondas.
O barco não vagueou
e eu não ouvi a música do mar.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Dói mais quando não tem "Adeus".

Não, eu não quero que depois de todo esse tempo, você me ligue com a voz cansada "só pra dizer que me ama".
Não venha com essa agora, logo agora que o tempo está tornando opacas minhas lembranças de você, de nós.
E não diga que "a distância vai só aumentando", como quem acusa. Me acusa. Afinal, não fui eu quem quis ir embora e fui. Não fui eu quem deixei sementes para trás e nem me importei em como cresceriam. Cresceriam muito bem, como cresceram. Afinal, mãe Gaia não precisa de ninguém para transformar suas sementes em primaveras eternas.

Eu não quero os restos. Não quero pedaços. E há muito deixei de me preocupar com as migalhas que você foi deixando cair por aí. 

Eu não. Eu queria sentir a sensação que tinha antes, quando pequenininha você segurava minha mão e saía por aí comigo.
Eu queria mesmo era que você pegasse a minha mão, como fazia antes, e dissesse, exatamente do mesmo jeito que dizia, "Papai te ama muito, filhote".

Mas não há mais minhas mãos pequenas sumindo nas sua mãos de gigante. Não há mais o contador de histórias e a ouvinte sempre atenta e faminta por mais. Não há mais o explorador e sua seguidora. Não há mais o astrônomo e sua aprendiz.
Não, não há.
Não há mais nada.
Nada. Isso te assusta? Acho que não. Por que haveria se te assustar? Fazem quantos anos mesmo?