segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Saudade das sensações que nunca tive.


   Liberdade


   As estrelas eram visíveis e a lua emitia sua luz tão feroz que rasgava as trevas da noite e se misturava com as brumas do frio, tornando o luar quase palpável. As poucas luzes do bairro pareciam borradas, esfumaçadas em sua visão periférica, criando um cenário espetacular para aquela noite.
   Fechou os olhos e respirou fundo, o cheiro conhecido de pinheiros e damas-da-noite era denso, mas não pesado. “Aqui é um bom lugar”, pensou.
   É claro que era, aquela praça, lugar onde esteve inúmeras vezes com ele, era muito próxima ao único lugar que um dia pode chamar de casa. E era exatamente a casa onde ele morava.
   No meio na praça havia uma fonte que durante o dia passava quase despercebida, mas agora, nessa cenário especialmente belo, o luar a iluminava e as luzes verdes em sua base, estavam acesas. Isto fazia parecer que a água corrente da fonte caísse em câmera lenta, quase em flashes. Ela simplesmente admirava, hipnotizada.
   Foi quando de repente viu, ao descer os olhos lentamente, percorrendo toda a extensão da fonte, uma silhueta alta, forte. Fechou os olhos novamente, mas prendeu a respiração. “Deve ser esse cheiro” pensou.
   O cheiro fazia sentir-se bem... E nostálgica. Devia ser isso, pois ao reconhecer a silhueta do outro lado da fonte e fechou os olhos para que ela sumisse, pensando ser só sua imaginação.
   Ao abrir os olhos novamente, para sua surpresa – e desespero – a silhueta ainda estava lá, agora mais próxima, andando em sua direção. Queria fugir, correr e se esconder, mas algo – e ela sabia muito bem o era – a manteve totalmente imóvel. “Não”, foi tudo o que conseguiu pensar.
   Ele chegou perto o bastante para ela ouvisse o silvo baixo que saiu de sua boca. “Alice?”. Ela gemeu ao sentir como era bom ouvi-lo dizer seu nome. Ele a encarou e por puro instinto ela fechou os olhos. Pensaria melhor se não o encarasse – como se fosse possível não encará-lo..
   - Alice. - ouviu ele dizer novamente, o rosto a um palmo do seu.
   Sentiu ele segurar seu queixo, hesitante, e levantar seu rosto em direção ao dele. Gemeu de novo ao abrir os olhos e se deparar com aquela floresta cheia de mistério que eram seus olhos verdes. Seu toque, sempre quente em sua pele, o hálito quente de menta em seu rosto e o cheiro... O cheiro entorpecente de sua pele.
   - Evan?
   - Pensei que não te encontraria aqui. - foi tudo o que ela conseguiu dizer.
   Ele seu um sorriso torto, quase imperceptível. - Eu moro aqui do lado, Alice.
   - Você costuma viajar essa época do ano.
   O sorriso no rosto dele se desfez, seus olhos eram tristes e profundos, como se alguém naquela floresta gritasse por socorro. Isto a deixou profundamente incomodada. Esperava ver felicidade nos olhos dele.
   - Então, você só veio aqui, porque sabia que não iria me encontrar? - Perguntou ele com pesar.
   Ela assentiu com a cabeça.
   Ele baixou os olhos libertando-a da ligação que se fez quando se olharam nos olhos.
   - Eu não quis ir viajar esse ano. Na verdade não consegui sair daqui... Estava esperando por você - concluiu sem vontade, quase sussurrando a última parte.
   Ela sentiu um enorme aperto coração ao ouvir as ultimas palavras e tornou a encará-lo.
   - Me desculpe.- disse, mas queria dizer mesmo outra coisa, alias, uma infinidade de outras coisas.
   - Você não ia voltar, não é?
   - Não. - disse mais uma vez querendo dizer outra coisa.
   - Você foi embora e me deixou sozinho naquela casa cheia de lembranças suas, nossas. Não me disse por que foi embora e eu continuo sem saber. Não consigo te entender, Alice, nunca consegui e parece que vai ser sempre assim. Você não me ajuda com isso. - ele disse tão rápido que ela precisou de alguns segundos pra absorver tudo. Ela continuou calada. Não sabia o que dizer.
   - Você sempre foi tão efêmera. Você sempre me teve, mas eu nunca tive você. Nos últimos meses que você ficou comigo, achei que gostasse de mim, ou pelo menos de ficar comigo. Nunca estive com você por tanto tempo, continuamente. Percebi que estava realmente enganado. Você estava querendo ir embora, como sempre, desde o começo. Só não sei por que esperou tanto. - ele disse em voz alta, mas parecia mais estar pensando consigo mesmo do que falando com ela.
   - Nunca quis ir embora. - disse ela rápido demais. E se arrependeu. Tinha que deixar tudo como estava e ir embora, era o melhor a fazer. Não o melhor para ela, mas sim, o melhor para ele.

   - Então por que foi? - perguntou confuso e com um leve tom de irritação.
   - Eu... Precisei. – disse tentando ser sincera e não ser clara ao mesmo tempo.
   Ele deu outro sorriso torto que não se estendeu aos olhos. Era um sorriso amargo.
   - Você não vai me dizer... Devia estar acostumado. Mas antes que você vá embora repentinamente, de novo, deixe-me saber de você.
   - O que quer saber, não há nada de interessante que você queira saber. - ela disse mais uma vez rápido demais.
   - Para mim, você é a pessoas mais interessante do mundo – ele fez uma pausa e continuou - E eu sempre quero saber tudo sobre você.
“Saia daí, agora, vá embora antes que seja tarde demais” pensou ela consigo mesma e soltou um “Ahh...”.
   - Ora vamos, Alice. Podemos conversar pelo menos um pouco, não? Onde está morando, ou melhor, dormindo?
   - Ahh...Por aí.
   E então aconteceu. Ele olhou-a como se quisesse salvá-la e mantê-la segura em seus braços – a floresta em seus olhos se transformou em um acolhedor bosque que a convidava – e a abraçou, com toda a ternura de sempre, como se estivesse protegendo-a de todos os males do mundo. O corpo quente, os braços fortes e o cheiro enlouquecedor de sua pele. Um calor a invadiu de dentro pra fora até queimar suas orelhas, um torpor a atingiu e ela se sentiu incrivelmente bem, como há muito não se sentia. Abraçou-o também, sem conseguir resistir. Ela queria muito ficar, deixar o sentimento que tinha fluir, e ser amada também. E gemeu quando as correntes que tinha colocado para conter o amor que sentia por ele estavam prestes a serem quebradas. Então ele intensificou o abraço afagou seus cabelos e brincou com os lábios em seu pescoço, do ombro a base de sua orelha e sussurrou:
   - “Eu amo você”.
Sem dó ou ressentimento as correntes se partiram, uma pequena e brilhante lágrima transbordou de seus olhos e um suspiro lhe veio, do fundo de seu âmago, como um aviso de que ela estava livre e inteira.

Jessica Machado [17/01/2009]

Um comentário:

  1. Belo!
    Misterioso e intenso.

    Creio que você escreveu com palavras que saltem aos teus olhos de modo diferente do mundo que vier ler.
    [Se é que nós não fazemos isso sempre não ? ;]
    Embora não saiba o que o texto aí escrito lhe signifique em minha alma ele soa como poesia!
    Agradeço por tê-lo escrito.

    Ah "A saudade das sensações que nunca tive" ,"A saudade de tudo que eu ainda não vi",
    esse sentimento me é tão forte,e tanto me assalta.
    Impulsiona ...Sim,não nego.Mas machuca também.

    Boa sorte !
    Novas luas .

    Beijão!

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