terça-feira, 27 de outubro de 2009

O Grito


Por três vezes tentou, mas caiu exausta. Sucumbiu ante a covardia que agora a jogava na cama, pressionando sua força.
O grito amargo preso a garganta sufocando-a. Mas não, não conseguia, e no fundo sabia que não podia, gritar. Porque se gritasse uma vez nunca mais pararia e se perderia no vácuo do escândalo mal sucedido.
Gritar era se mostrar, era cortar a carne pútrefa da máscara de seu carácter mal fingido. Gritar era jogar-se num abismo imenso. Gritar era mostrar o que incomoda o que magoa, o que enfurece, e ninguém, ninguém quer ver ou ouvir. São todos cegos aos motivos dos gritos alheios. Mas só do motivo, pois o grito todos escutam e ela não queria sentir-se acuada diante de toda ignorância do outros. Ninguém quer vê-la gritar iriam pensar que era louca.
Louca, por tentar gritar pra fora toda a imundice que jogaram dentro dela. Louca pela tentativa desesperada e escandalizada de gritar pra fora tudo aquilo que a deixava doente. E o carácter mau fingido ganhara dessa vez.
Ela que era tão corajosa e afiada no que escrevia jazia agora quieta e muda na cama. Muda, emudecida pela covardia. No fundo talvez sabia que o grito seria em vão. Era melhor que todos pensassem que tudo estava na devida ordem, enquanto tudo estava às avessas, do outro lado do espelho.


Jessica Machado.

Listening: A chuva lá fora.

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